Comecei a escrever este texto no dia 8 de janeiro, logo depois do incrível festival Garage Sounds. De um universo de 41 bandas e cerca de 160 músicos, havia, salvo engano, apenas 5 mulheres em cima dos palcos (me corrijam se eu estiver errada). Cinco. Eu, com a Subcelebs, Gabrielle Gomes com sua carreira solo, Clarissa Clapt Boom com a Intuición, Claudine Albuquerque com a Nafandus, e Ankerkeria.
Assim que desci do palco, o amigo Bruno Cruz, da Altissonantes (EP de estreia sai em breve, produzido aqui no Mocker), disse que ouviu de uma menina na plateia do nosso show: “Olha, que legal, uma menina nessa banda!”. Acho que foi uma menina que eu nunca tinha visto e que ficou o show inteiro lá. É tão pouca mulher despontando no rock cearense que, quando aparece, é uma surpresa – boa.
A baixa representatividade feminina não só no Garage Sounds, mas na maior parte dos eventos roqueiros de Fortaleza não significa que não haja meninas tocando. Na verdade, a fofa da Nanda Loureiro, da Banana Records, até já montou uma lista colaborativa com bandas com mulheres que abrange o Brasil inteiro (clique aqui para consultar e para adicionar seu projeto). Lá constam seis nomes, mas não estão a maravilhosa Ouse, a pesada The Knickers, nem as cantoras solo como Soledad, Marieta e Lorena Nunes. Lá não há preconceito de estilo. Vale tudo, all girls to the front.
Então, assim, banda em atividade, com carreira crescendo e com mulher, tem, mas tá faltando. Por que somos tão poucas? Por que temos vontade, mas não colocamos o projeto pra frente?
Vejo muito meninas que querem ter banda pensarem o projeto pra ser uma girl band, toda formada por mulheres, falar de temas feministas, fazer a coisa temática mesmo. Mas tá tão difícil reunir essas artistas que simplesmente fazer parte de uma banda (mesmo que com meninos) e cantar sobre qualquer coisa já é transgressor.
Ser mulher, fazer música e estar em uma cena dominada por homens já é, por si só, revolucionário e político. Já é statement.
Não precisamos ter medo, não precisamos ser inseguras nem achar que é menos feminista ou menos interessante ter banda mista e falar de amorzinho. Venham me fazer companhia, por favor! É sempre muito difícil ser a única menina do rolê. =(
A nudez da Intuición não pode ser castigada
O show mais incrível que vi no Garage Sounds foi da Intuición. “Quem gostou, bom. Quem não gostou, paciência”, disseram no final. Vendo aquela explosão de energia, de performance, de transgressão, de estética e de coolness ao extremo, me perguntei como alguém não gostaria. Ah, como fui ingênua. Ainda acreditava nos ~roqueiros~ da cidade.
Poucos dias depois do showzaço da Intuición, começou a circular um vídeo com uma performance da Clarissa. No palco, ela é mensagem pura. Saia curta, pernas abertas, top curtíssimo, peitos de fora. Perde o cabo do microfone no meio do caminho. É punk, é electro, é underground, é político. Logo no início, antes que começassem a pensar qualquer coisa, tirou um batom vermelho do bolso e riscos nas coxas “PU TA”. Passou nos lábios, no queixo, em todo lugar.
Aquele show foi a personificação do “meu corpo, minhas regras”, mas ao extremo. Quer tirar a roupa e tira. Quer cantar sobre drogas e caras e canta. Quer ser puta e é. E ninguém deveria ter nada a ver com isso. Tem muita gente comparando com a performance do Jonnata Doll, que tira a roupa inteira, e todo mundo aplaude. Clarissa tira uma parte, e a família tradicional brasileira que há em cada roqueirinho cai em cima.
Fui criada numa sociedade supermachista, brasileira, nordestina, com raiz no interior, cabra macho sertanejo. Ainda me pego lutando com isso de vez em quando. Ao lado do meu marido, que também é músico e parte da banda, nos entreolhamos quando a peça de roupa comportada de Clapt foi ao chão. Coramos. Mas até o fim da música, tudo já tinha passado. Aqueles seios não eram sexuais, eram artísticos, políticos, livres. Eram mensagem.
Meu “medo” quanto à reação dos ditos roqueiros era de ficarem vendo o show pra ver umas peitcholas, de não entenderem nada e só quererem ver um pedaço de carne ali (afinal, vi caras lá mostrando pornografia um pro outro na tela o celular).
Mas o conservadorismo está tão grande e tão absurdo que, no tribunal do Facebook, disseram que os peitos eram caídos (daí pra baixo) e falaram até em morte. Depois começaram a denunciar as fotos e a página da Intuición e da vocalista, pra que o Facebook deletasse.
A performance da Intuición é pra eles, é pra ela. A dança não tenta seduzir, não quer conquistar ninguém. É uma necessidade pessoal. É pra tirar quem está vendo da zona de conforto, incomodar.
A melhor arte é aquela que desestabiliza, que incomoda. Seja pela forma, seja pelo conteúdo. Seja pelo meio ou pela mensagem. E Clapt, com certeza, incomodou. Incomodou um bando de caras de preto, que pagam de alternativos e libertários, mas que são tão conservadores quanto os nossos avós.
Inacreditável que depois de tantas mulheres incríveis e fortes como Madonna, Joan Jett (e sua Bad Reputation), Courtney Love na música, ainda seja um problema tão grande ter personalidade.
Estamos juntas. Precisamos estar todas juntas. Free Intuición!