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Por que a curadoria de eventos públicos é um problema e vai continuar sendo

No último sábado, 17, aconteceu o Seminário Praça do Rock, espaço de encontro e discussão articulado pela Associação Cultural Cearense do Rock (ACR) no Dragão do Mar. Antes dos shows gratuitos no palco Rogaciano Leite, os músicos, produtores e outros atores da cena se encontram no auditório pra debater assuntos pertinentes ao funcionamento do cenário autoral de Fortaleza.

Pelo menos deveriam se encontrar. O espaço foi pensado e criado, mas não há frequentadores. O Seminário Praça do Rock de sábado foi sobre um assunto extremamente importante, largamente debatido nas redes sociais e, em teoria, levaria muita gente à mesa redonda. O tema escolhido foi Curadoria em eventos culturais e festivais em Fortaleza.

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À luz de acontecimentos que agitaram os artistas nos últimos meses, em especial a curadoria do festival Conecta, que gerou textão até do Sindicato dos Músicos e muitos compartilhamentos e bate-bocas no tribunal do Facebook, esperava uma grande adesão. Afinal, todo mundo quer ter chance de tocar em um evento com dinheiro público e levar pra casa um bom cachê.

Na mesa, estávamos eu, como jornalista, artista e trabalhando ao lado das bandas na hora das inscrições nesses eventos; Dado Pinheiro, DJ, gerente do Berlinda, ex-Noise 3D e eventual curador de eventos públicos com bandas autorais, e Valéria Cordeiro, produtora cultural, gestora e atualmente Coordenadora de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado.

A promessa era de bons debates e avanços no quesito mobilização da categoria na busca de TRANSPARÊNCIA nas curadorias. Mas pouquíssima gente apareceu, e a conversa, apesar de ter sido muito boa, com colaborações fortes de Ivan Ferraro (Prodisc, Feira da Música), George Frizzo (S.O.H.) e Caike Falcão (músico), não trouxe encaminhamentos por pura falta de quorum.

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O que discutimos

  • Mostra de Música Petrúcio Maia

Com resultado muito aguardado, ele saiu, mas sem transparência. As bandas que foram selecionadas já haviam sido avisadas antes da divulgação oficial, e a notícia correu à boca pequena, dando margem para muita especulação.

Houve ainda uma mudança de modus operandi quando comparamos com a mostra de 2015, que foi muito transparente: a lista saiu como o resultado de um concurso, com os nomes dos curadores, os quesitos a serem avaliados, as notas dadas para todos os inscritos. Houve até mesmo habilitação jurídica e tempo para que os artistas desabilitados recorressem.

Este ano, nem o nome dos curadores foi divulgado. A lista saiu sem notas, sem suplentes, sem transparência. Como ia participar da mesa redonda, solicitei a lista, e o que me responderam foi que poderiam divulgar as notas do meu projeto. Saber apenas a minha nota não adiantaria. Escrevi novamente falando de como havia sido no ano passado, mas responderam apenas perguntando, mais uma vez, o nome do meu projeto. Respondi e, até agora, nada.

Ivan Ferraro, da Prodisc, falou que a produção recebeu as solicitações e que estavam trabalhando para tornar pública a lista com as notas. Que eles têm isso, mas não têm os meios para publicizar, porque a mostra é terceirizada, então até pra postar algo na página do Facebook é um processo. Estamos no aguardo.

Na sequência, ele provocou: por que os músicos não estavam unidos exigindo a realização da Mostra? Disse que o pessoal do teatro, da dança, é mobilizado e que ai da prefeitura se não fizer a mostra deles em um ano. Pro pessoal da música, existe uma pasmaceira, uma falta de atitude, mas muitas vezes por não saber como se reunir e ir reivindicar que o evento aconteça.

Esse papel, atualmente, está somente com a Prodisc, que pressiona para que a Petrúcio aconteça. É do interesse deles realizar porque é um trabalho pelo qual eles foram contratados, por licitação, para realizar. Mas eles sozinhos não representam a classe artística e, como produtores, inclusive, estão à frente do processo de adiamento da mostra para janeiro (porque ano passado realizaram, mas só receberam o pagamento muitos meses depois, então agora só fazem quando tiverem o recurso em mãos).

Ivan falou que no dia 3 de janeiro há uma reunião marcada com os artistas selecionados na sede da Prodisc para falar sobre a mostra e tentar sensibilizar essa galera a se mobilizar e se envolver politicamente na cena. Se empoderar mesmo, saber que os espaços estão aí para serem ocupados, mas que ninguém tá fazendo isso. Falei que, se for aberta a quem também não foi selecionado, estarei lá. Ele falou que pode ir quem quiser, então iremos.

  • Festival Conecta

O caso Conecta acabou com pouco tempo para ser debatido. Não havia representante do Sindicato dos Músicos, não havia nem um curador do evento, então não tinha como conversar demais. O consenso foi que faltou clareza na comunicação. Até que ponto você é artista? Onde encerra o trabalho do artista e começa o do curador? Neste evento, você quer tocar ou você quer fazer curadoria? É preciso transparência nas regras pra que elas sejam seguidas e não gerem expectativas irreais.

Mesmo dentro do pequeno grupo participante no seminário não tinha uma opinião única sobre o assunto. Para alguns, faltou ética, para outros, não houve nada errado. Mas é fato que a curadoria de eventos públicos ou feitos com leis de incentivo via renúncia fiscal está sendo debatida e vai ser olhada com mais cuidado por todo mundo daqui pra frente.

O que poderia ter sido discutido

  • Programa Hoje é Dia de Rock, do Centro Cultural Banco do Nordeste

Antes programa Rock-Cordel, o espaço para o rock no CCBNB causou grandes discussões nas redes sociais e até uma reunião presencial entre a diretoria do Centro e as bandas da ACR. O motivo foi a demissão da curadoria que atuava lá desde o início do projeto, pelos idos de 2005, com Amaudson Ximenes e Fernando Pessoa.

No início, como festival, abria inscrições durante um período e acontecia em um mês. Depois passou a fazer parte da programação mensal fixa do local. Entre idas e vindas, o espaço foi muito construído pelas bandas e o público da ACR, mas também sem edital para participação.

2016 começou com o anúncio de uma nova forma de trabalho. Em vez de um ou dois curadores que trabalhariam em todas as edições do ano, seriam escolhidos 12 curadores, um para cada mês, para que houvesse maior diversidade na seleção das bandas. Cada banda só poderia tocar uma vez no ano. Mas o que aconteceu foi que, em vez de 12 curadores, o ano teve apenas nove. Os eventos, que deveriam ter sido todos autorais, ganharam uma edição cover (que foi a mais cheia – olha a gente perdendo mais um espaço).

Não há comunicação oficial sobre como vai ser no ano que vem, mas corre por aí que 2017 vai ter quatro curadores fazendo todas as edições. Não se sabe como eles foram escolhidos, quais foram os critérios, nem como eles vão selecionar as bandas. Mais um ano começa, e o processo permanece obscuro para a cena de forma geral.

Rock-Cordel como festival volta a existir, parece que com um edital e chamada pública de inscrições, mas ainda sem notícias mais detalhadas.

  • Porto Iracema das Artes

Aparentemente, o processo de seleção dos artistas do laboratório de música (especificamente de música, porque é a área que a gente acompanha) é bem transparente: há as inscrições, vem uma curadoria toda de fora, ouve todos os projetos e escolhe entre 10 e 12 para uma audição, que é aberta ao público. O júri dá a nota, e quatro são selecionados para o programa.

O que nunca fica muito claro é como se convidam sempre pessoas de fora, de diferentes atuações e backgrounds, mas o resultado sempre é muito parecido, com várias pessoas participando repetidas vezes com projetos diferentes, às vezes no mesmo ano.

O que o projeto precisa ter? Qual é o material enviado? O que os artistas precisam propor para irem para a audição? Nada é claro. O próprio edital é muito aberto. Fica a provocação.

  • Eventos públicos ao longo do ano (aniversário da cidade, programação de férias etc.)

Há um cadastro permanente de artistas na Secultfor e na Secult, mas ele é consultado pelas pessoas que montam os eventos? Se é consultado, como os mesmos artistas são chamados para diferentes ocasiões, sem edital, por convite e recebendo cachê?

Há um motivo para os artistas serem praticamente os mesmos em tudo: quem está fazendo essa curadoria sem inscrições não conhece o que há na cidade. Idealmente, o expediente de quem trabalha bookando esses artistas seria à noite, vendo tudo que é show nos mais variados lugares da cidade. Curador garimpeiro. Mas o que acontece é que muita gente não sabe quem são esses artistas e não tem vergonha de dizer (eu mesma já recebi ligação de comprador de show que não sabia mais o que programar e me pediu sugestões).

Sendo assim, se faz totalmente necessária a consulta a esse banco de artistas para todo evento público. Mesmo que haja a vontade de contratar um show específico, por que não abrir vaga para um artista novo também com bom currículo? Fica o apelo.

  • Ocupação do Cine Teatro São Luiz

O Cine São Luiz tá lindo, tá funcionando, mas como está sendo feita a programação? O Teatro Carlos Câmara possui um processo seletivo para ocupação (ainda que a curadoria seja também pouco transparente), o Dragão do Mar e o CCBJ também. Mas ainda não vi uma movimentação da Secult para abrir seleção de projetos musicais para o espaço.

Até agora, o palco do Cine São Luiz tem servido apenas a projetos cover e de tributos – a Hendrix, a Joplin etc. –, mas sem espaço para bandas autorais. Vi que os Selvagens à Procura de Lei e o Cidadão Instigado tocaram lançando disco, mas são bandas que não estão mais em Fortaleza, no mesmo patamar dos artistas locais que ainda tentam se projetar dentro da própria cidade e para fora do estado.

A única vez que vi alguma manifestação no sentido de dar espaço à produção local foi em uma postagem na página do Facebook solicitando que as bandas enviassem clipes para eles por email, porque havia uma ideia de exibi-los no cinema. Enviei email falando que representava várias bandas, mandei todos os links, mas nunca nem obtive resposta.

Em 2017 podemos esperar um edital de ocupação do São Luiz com espaço para as bandas autorais? Será que não seria possível, pelo menos uma vez por mês, abrir esse espaço na programação?

Considerações finais

Como músicos, produtores e parte da cena, precisamos estar unidos na busca por essa transparência, não só reivindicando a lista de aprovados, com suas pontuações, em cada seleção pública, como também a divulgação dos projetos aprovados tais quais foram submetidos. Dessa forma, será possível avaliar de forma mais objetiva que elementos separam os projetos aprovados dos não aprovados.

Isso é especialmente importante em editais de incentivo às artes, que exigem sempre um projeto escrito, seguindo certas diretrizes no que diz respeito a orçamento para execução e outros anexos. Para quem nunca foi contemplado por um edital desse tipo, é sempre um mistério identificar onde o projeto pecou e onde os projetos contemplados acertaram.

Um bom começo para dissipar essas dúvidas seria:

1) disponibilizar os projetos ganhadores na íntegra para quem quiser baixá-los e estudá-los;

2) disponibilizar também os projetos recusados com anotações que deixem claros os motivos da recusa.

Sabemos que há oficinas que ensinam a preparar projetos para editais específicos e alguns também têm tira-dúvidas presenciais e online, mas as fronteiras entre os critérios objetivos, meramente técnicos, e os subjetivos, mais estéticos e relacionados à identificação pessoal do curador ou parecerista com o projeto, precisam ser realçadas.

Por fim, o papel do curador precisa ser entendido por todos. E é preciso também que mais gente possa virar curadora. Há muita gente apta, no entanto, contratam sempre as mesmas pessoas. Não há como haver um resultado diferente quando quem julga é igual.

No seminário, Valéria Cordeiro disse que, em conversa com Amaudson, foi ventilada a possibilidade de serem criadas oficinas ou formações de curadores para que novas pessoas possam ocupar esses cargos. Agora tá na mão dos artistas fazer com que tudo isso aconteça.

O blog Rock Talks está aberto para os envolvidos nessas iniciativas, caso desejem esclarecer os pontos citados ou fazer considerações gerais sobre curadoria nos espaços públicos. O email para contato é oi@mocker.com.br.