Semana passada, o jornal Diário do Nordeste, de Fortaleza, nos procurou para contribuir com uma matéria sobre os rumos que o rock tem tomado. Havia algumas perguntas-base e variadas formas de respondê-las. Eu e Igor começamos a pensar. Quanto mais a gente escrevia, mais a gente queria escrever.
Desculpa por mandar uma página e meia de material, Laudenir! Hahaha! A matéria saiu hoje, Dia Mundial do Rock, no Caderno 3. E, obrigada aos editores Dellano Rios e Adriana Martins por sempre estarem tão atentos a tudo o que anda sendo produzido na cidade e no país. Sem palavras pra essa equipe!
Aqui você lê a matéria completa, é só clicar. E aqui embaixo seguem nossos apontamentos sobre o Dia do Rock em 2016.
Como anda essa coisa de indústria x independente?
Ecossistema
É interessante ver a música independente não mais como algo necessariamente à margem, no underground e pouco profissional, mas sim como uma também indústria, que funciona de maneira diferente, com uma cadeia menor, mas mais pulverizada: pequenos selos, pequenas casas, muitas bandas. No meio disso tudo, estúdios de gravação, designers que criam capas, pôsteres, videomakers que assinam clipes cada vez mais arrojados, blogs e sites que cobrem esses artistas e lançamentos. Todos esses trabalhos fazem parte dessa indústria alternativa, uma engrenagem que só gira com a participação ativa do público consumidor, comprando música em todas as suas formas – discos físicos, downloads, ingressos de shows, camisetas, adesivos e outros itens de merch.
Consumo
Na forma de consumir o rock, o abismo entre mainstream e independente está diminuindo, o que considero uma pequena revolução. A gente vê isso bem claramente nos serviços de streaming, como Deezer e Spotify, pois o artista independente, de repente, foi colocado no mesmo caldeirão dos artistas consagrados e não estão mais apenas em redes especializadas, como já foram o MySpace e o TramaVirtual, por exemplo, e como hoje é o Bandcamp. Os serviços de streaming possuem algoritmos que vão aprendendo o gosto do usuário e oferecendo opções similares em ferramentas como a lista “Descobertas da semana” do Spotify e “Flow”, da Deezer. Ninguém precisa mais esperar pela TV nem pelas revistas de música nem pelo rádio para encontrar novos artistas quando se tem à disposição mecanismos como esses – apesar de muita gente ainda se pautar pela mídia tradicional para isso. O grande desafio ainda é como chegar a mais pessoas.
Estética
Em termos criativos, o rock independente é bem mais interessante que o rock lançado pela grande indústria: é mais diverso em subgêneros, em sonoridade, consegue ousar mais, ser mais inventivo. Mesmo com tanto tempo de existência e tendo tido sua morte decretada tantas vezes, o rock sempre consegue se reinventar, e o ecossistema independente é um ambiente muito propício para isso. É muito chato e hoje desnecessário ficar esperando chegar nas lojas o novo disco do Foo Fighters. Tem centenas de bandas por aí fazendo música com muito mais frescor e conexão com os nossos tempos.
Faltam espaços para se produzir rock?
Talvez faltem espaços formais, mas o rock consegue ocupar bem espaços alternativos e transformar tudo num palco. Mas o que falta mesmo é público consumidor de shows, pelo menos em Fortaleza. Há muito mimimi, muita reclamação de que não existem shows de rock na cidade, mas isso não procede: toda semana são produzidos shows nos mais variados espaços, mas a quantidade de público é sempre pequena, mesmo em eventos gratuitos ou com ingresso muito barato.
Por outro lado, surgem bandas novas todos os dias. Aqui no estúdio recebemos o tempo o todo mensagens de novos artistas querendo gravar um primeiro material já com boa qualidade. Somente este ano, já saíram do Mocker trabalhos do maquinas, Swan Vestas, Berg Menezes, Sátiros, Zéis (Capotes Pretos na Terra Marfim), Soulzen, It Girl (foto), Subcelebs… Ou seja, a produção anda bem efervescente. O que precisa melhorar é o consumo.
Que tipo de sonoridade da área está mais “na moda”?
Pelo que a gente observa, a psicodelia que o Tame Impala e o Boogarins trouxeram de volta anda influenciando muita gente. Mas também está rolando uma onda de resgate dos anos 90, que até já rolou antes, pouco menos de dez anos atrás, mas está bem evidente agora com o “sucesso” do Mac DeMarco. As aspas estão aí porque o conceito de sucesso quando se fala de música independente é bem distante do que se entende por isso no mainstream.
Onde anda o rock?
Em todo lugar onde você não está procurando. Um exemplo: a banda Plutão Já Foi Planeta, de Natal. Eles já tocaram quatro vezes em Fortaleza, três vezes pra pouquíssimas pessoas (vimos todos os shows e produzimos um – gostamos mesmo, e não é de hoje!), mas muita gente só ouviu falar deles depois que eles foram pra Globo. As músicas já estavam na internet, os shows estavam sendo noticiados. O que mudou, então? Infelizmente, o poder de penetração da mídia de massa ainda é muito grande, mesmo com tanto conteúdo disponível por aí, de graça ou quase de graça.
É necessário se desprender desse hábito tão passivo de consumo, de ficar esperando aparecer na TV ou na FM para prestar atenção a uma banda nova. As pessoas podem e precisam assumir as rédeas das suas playlists: catar bandas novas no Bandcamp, no Facebook, nas agendas culturais dos jornais, nos blogs, nos serviços de streaming, nas pequenas casas e festivais. Quando se pratica isso, você logo percebe que um bom e novo rock existe e está por toda parte.